Ao estabelecer que as instituições financeiras devem informar o Fisco sempre que uma pessoa física movimentar mais de R$ 2 mil e uma empresa mais de R$ 6 mil, a Instrução Normativa 1.571 da Receita Federal vem recebendo críticas de advogados tributaristas. Publicada em julho do ano passado, ela passa a vigorar em 2016 e o debate envolve a Constituição: para alguns, se ela determina o sigilo bancário como um direito, a nova norma fere o texto.
É o que entende o advogado Thiago Omar Cislinschi Fahed Sarraf, do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados, que ressalta que um repasse de informações como o que foi estabelecido deve passar primeiro pelo Poder Judiciário. “Não se questiona a possibilidade da Receita Federal obter informações e dados para a consecução dos atos de fiscalização. Porém, a realização de tais atos encontra limites impostos pela Constituição, vale dizer, desde que precedido da necessária autorização do Poder Judiciário, que certamente não deixará de concedê-lo quando assim considerar relevante”, afirma em entrevista a ConJur.
Sarraf classifica a instrução como “absolutamente questionável” e critica que o repasse de informações pode ser feito sem que antes a Receita instaure um processo interno contra o contribuinte. “Causa espécie que a determinação independa, inclusive, da existência de prévio procedimento fiscalizatório contra o contribuinte, o que pode ser compreendido como afronta ao artigo 196 do Código Tributário Nacional”, aponta.
De acordo com Gustavo Ferreira, advogado tributarista sócio do Marcelo Tostes Advogados, embora o Fisco Federal argumente que as medidas disciplinadas pela IN 1.571 são legais porque estão amparadas na Lei Complementar 105/01, a Constituição Federal estabelece o sigilo dos dados bancários como direito fundamental.
“O sigilo bancário, nos termos do artigo 5º, incisos X e XII, é um direito fundamental garantido pela Constituição, desde que não sirva para encobrir ilícitos. Portanto, não pode o Fisco, a seu bel prazer, proceder com a sua mitigação sem prévia autorização judicial. Tais investidas fiscais certamente serão coibidas pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade já em trâmite nessa corte”, conclui Ferreira.
Contribuinte desavisado
Em entrevista ao jornal O Globo, os técnicos da Receita negaram que a nova regra represente uma invasão de privacidade. Eles explicam que o Fisco não pode ter acesso nem à origem e nem ao destino dos recursos. De acordo com o artigo 5º, parágrafo 11, da IN, “é vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a origem ou o destino dos recursos utilizados nas operações financeiras”. “Se o contribuinte fez a movimentação no supermercado ou no teatro, não vamos saber”, explicou um técnico.
O advogado José Henrique Longo, do escritório PLKC Advogados, afirma que a atuação da Receita muitas vezes não configura quebra de sigilo, pois conta com a contribuição inconsciente das pessoas. “Geralmente é que o contribuinte — muitas vezes desavisado — entrega espontaneamente seus extratos bancários ao fiscal, o que não configura quebra de sigilo, pois foi ato do próprio contribuinte abrir seus dados”, explica.
Longo ressalta que só o juiz pode quebrar o sigilo bancário das pessoas, mas o Fisco federal tem utilizado reiteradamente informações de movimentação para selecionar contribuintes para fiscalização pelo artigo 42 da Lei 9.430, que contém a presunção de omissão de receita em relação aos depósitos bancários de origem e tributação não comprovados.
No Supremo Tribunal Federal já correm três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) referentes à LC 105. Elas são de autoria da Confederação Nacional do Comércio (CNC), do Partido Social Liberal (PSL) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Fonte: Revista Consultor Jurídico; Clipping da Febrac- 12/2/2016.