Uma empresa do setor agropecuário obteve liminar na 2ª Vara Federal Cível do Distrito Federal para suspender o andamento de um processo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O motivo foi a justificativa usada pelos conselheiros para não levar em conta, no julgamento, um de seus argumentos contra autuação da Receita Federal.
O caso envolve a cobrança de PIS e Cofins sobre rendimentos de aplicações financeiras. Ao ingressar com o recurso administrativo contra tal pagamento a empresa alegou que já havia decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718, de 1998, usado pelo Fisco como referência para a aplicar o auto de infração.
Os conselheiros da 4ª Câmara da 1ª Turma da 1ª Seção, que julgaram o caso, entenderam que não poderiam analisar esse fato porque o contribuinte não tratou de forma expressa sobre isso na impugnação, ou seja, quando apresentou a defesa contra a cobrança na Delegacia Regional de Julgamento (DRJ).
“Questões não provocadas a debate na primeira instância por meio da peça vestibular, arguidas pela recorrente somente na fase recursal, constituem matérias preclusas”, afirmou o relator do caso, Luiz Augusto de Souza Gonçalves, quando o processo foi julgado pela turma, em julho do ano passado.
Para o juiz Anderson Santos da Silva, da 2ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, trata-se, no entanto, de questão de ordem pública – pelo fato de o tema já ter sido julgado pelo Supremo Tribunal Federal. E, nesse caso, ainda que não impugnada, deveria ter sido objeto de apreciação do órgão julgador.
“A inconstitucionalidade das leis é, sem dúvida, matéria de ordem pública, transcendendo os interesses privados das partes, o que a torna cognoscível de ofício pela autoridade administrativa “, afirmou o juiz na decisão.
Ele acrescentou ainda que o julgador administrativo, em casos como esse, fica obrigado a apreciar a questão “independentemente da provocação do interessado”. O juiz determinou a suspensão do processo administrativo e da exigibilidade do tributo até que o mandado de segurança tenha uma decisão definitiva (processo nº 1021064-39.2018.4.01.3400).
“Se o Carf não apreciar e mantiver a cobrança, o contribuinte terá que levar a discussão, de forma desnecessária, ao Judiciário porque trata-se de questão já pacificada”, afirma o representante da empresa no caso, o advogado Marcelo Guaritá, sócio do escritório Peluso, Stüpp e Guaritá Advogados. “E isso gera perda de tempo e de dinheiro. Obrigaria o contribuinte a, por exemplo, prestar garantia de valores que já são sabidamente indevidos”, acrescenta.
Especialista na área, Rafael Serrano, sócio do escritório CSA – Chamon Santana Advogados, diz que há um movimento crescente entre os contribuintes de recorrer à Justiça para tratar do mérito de decisões do Carf. “Não era comum no passado e agora tem se tornado frequente”, observa. “Os contribuintes vêm se socorrendo do Judiciário para fazer valer os seus argumentos.”
Ele cita como exemplo as discussões sobre o voto de qualidade do tribunal (desempate de julgamento pelo presidente da turma). Como os presidentes são sempre representantes do Fisco, advogados costumam alegar nos processos judiciais que a medida beneficia a Receita Federal e contraria o Código Tributário Nacional (CTN) e a Constituição. Esses casos começaram a chegar ao Judiciário no ano passado e já há mais de uma centena deles em tramitação.
Procurada pelo Valor para comentar o caso julgado pela Justiça do Distrito Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (GFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico; Clipping da Febrac- 1/11/2018.