O projeto de securitização das dívidas tributárias, um dos itens prioritários da pauta do Congresso neste ano, pode ajudar as diferentes esferas de governo não só com receitas extras, mas também inibindo novas renegociações de dívidas tributárias. Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas públicas, disse ao Valor que, como o projeto prevê que os créditos securitizados sejam “baixados” (ou seja, retirados) dos ativos do governo, a possibilidade de nova renegociação desses débitos tornaria-se inviável.
“Essa medida pode ser uma alternativa para frear novos Refis. O projeto de lei prevê que essa operação de securitização tem que ser definitiva. Nesse caso, o governo tem que retirar os créditos de seus ativos”, disse Ribeiro, ressaltando que isso ocorre mesmo com a continuidade da obrigação da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) cobrarem os devedores que ficarem inadimplentes.
A securitização é um instrumento no qual o governo vende o direito que tem de receber os recursos relativos a tributos que não foram pagos. O projeto em tramitação prevê essa possibilidade apenas para dívidas tributárias, ou inscritas em dívida ativa, já parceladas. Esse formato daria mais segurança para o comprador, uma vez que essas dívidas renegociadas já são reconhecidas pelo contribuinte, o que torna seu fluxo menos arriscado e a cobrança mais garantida.
Os sucessivos Refis realizados, sendo o mais recente no ano passado no âmbito federal, têm sido fontes de receitas no curto prazo, mas a longo prazo deterioram a capacidade de arrecadação das administrações tributárias. Muitos contribuintes renegociam dívidas que já foram parceladas anteriormente. Só nesta última edição, dos R$ 26 bilhões arrecadados, quase R$ 7 bilhões foram de dívidas que já estavam em parcelamentos anteriores e inadimplentes.
Procurada, a Receita Federal não quis comentar esse possível impacto do projeto de securitização sobre novas renegociações, mas vale lembrar que o órgão tem ao longo dos últimos anos sido um crítico feroz dos sucessivos Refis aprovados pelo Congresso.
“O caminho é a securitização da dívida parcelada”, disse Ribeiro, ressaltando que, além do benefício de arrecadação extra e de evitar novos programas de renegociação – pelo menos dos créditos vendidos a terceiros -, a medida pode auxiliar o governo também no esforço para cumprir a “regra de ouro” das contas públicas, dispositivo constitucional que veda ao governo se endividar para cobrir despesas correntes, como pessoal e Previdência.
O analista do Senado explica que, em âmbito federal, a securitização entra como receita financeira e não primária, ou seja, não impacta o resultado fiscal primário, mas reduz a dívida líquida, a necessidade de emissão de títulos e permite a utilização dos recursos para o pagamento contábil de despesas de capital, como amortização de dívida e investimentos.
Provavelmente, esse será um recurso um pouco mais caro do que a emissão de dívida, já que o governo teria que pagar um prêmio (taxa extra) para o comprador desses créditos, mas de qualquer forma seria um alívio para quem ainda não resolveu o imbróglio gerado pelos sucessivos déficits fiscais e o rombo da “regra de ouro”, que neste ano supera R$ 200 bilhões.
A proposta de securitização da dívida foi aprovada em dezembro pelo Senado e entrou na lista de prioridades da Câmara neste ano, conforme informou o Valor em janeiro. De autoria do senador José Serra (PSDB-SP), a medida é esperada com ansiedade principalmente pelos governadores, que vivem sérios problemas de caixa.
As estimativas dos técnicos do Senado é que os Estados poderiam securitizar aproximadamente R$ 21 bilhões, caso a medida seja aprovada. A versão aprovada no Senado permite que o dinheiro seja utilizado pelos atuais governadores até 90 dias antes do fim do mandato, ou seja, até 2 de outubro, às vésperas da votação no primeiro turno, que ocorre dia 7. Por isso, a pressão é grande em favor da proposta.
A securitização está prevista no Regime de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro como fonte adicional de receitas para estabilização fiscal daquele Estado, mas ainda não é consenso no Congresso. Uma das críticas é que se trata de uma antecipação de receitas futuras. Ribeiro lembra que o estoque de créditos inscritos na dívida ativa já superava R$ 2,5 trilhões, ou 45% do PIB, ao fim de 2015.
Fonte: Valor Econômico; Clipping da Febrac- 15/2/2018.