Para minimizar um estoque médio de três mil processos por gabinete, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram nesta semana norma interna para terem direito a mais servidores nos gabinetes. Figuras discretas e de extrema importância, esses profissionais auxiliam os ministros desde a formação dos votos até o atendimento pessoal de advogados. Muitos se tornaram conhecidos no meio como o juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo da Lava-Jato, e a atual procuradora-geral a República, Raquel Dodge.
Com a mudança do regimento interno, a Corte colocará à disposição dos gabinetes 36 servidores do STF e mais e dez juízes-auxiliares, a partir de solicitações. Até então, os ministros tinham direito a cinco assessores formados em direito, dois assistentes judiciários com diploma de nível superior e um chefe de gabinete, que não precisa ter formação em direito. Além de servidores e funções comissionadas. Atualmente são 19 juízes, entre auxiliares e instrutores, que prestam serviços aos ministros. – com a alteração, o número poderá subir para 29. Cada gabinete terá, em média, quatro pessoas a mais.
No tribunal circula a máxima de que “quanto melhor o assessor, menos ele aparece”. Há duas características atribuídas ao cargo: discrição, pois as estrelas dos gabinetes são os ministros, e disposição para longas horas de trabalho. O usual é permanecer no gabinete, enquanto o ministro estiver trabalhando, ainda que seja de casa.
Vários assessores se tornaram famosos após deixarem o cargo. O ministro aposentado Sepúlveda Pertence assessorou o ministro Evandro Lins e Silva, entre 1965 e 1967. Já o ministro aposentado Francisco Rezek trabalhou com o ministro Bilac Pinto, na década de 1970.
O juiz Sérgio Moro atuou como juiz convocado no gabinete da ministra Rosa Weber em 2012. A atual procuradora-geral da república, Raquel Dodge assessorou o ministro Rezek no STF e o ministro Marco Aurélio Mello, quando estava no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O perfil dos assessores é de jovens, incluindo professores e alunos de mestrado, mas cada gabinete funciona como um reflexo da personalidade do ministro. No geral, as equipes pesquisam jurisprudência, escrevem votos de temas pacificados para análise do ministro, atendem advogados e podem auxiliá-los durante as sessões pelo sistema interno de troca de mensagens. Os assessores mais próximos têm a possibilidade de “opinar” sobre o mérito de processos relevantes.
Convocar juízes auxiliares foi uma medida instituída a partir de 2007, em sessão administrativa do Supremo. Cabe aos magistrados instrutores a realização de interrogatórios e outros atos da instrução processual. Podem até fazer despachos mas sem conteúdo decisório. Eles agilizam os procedimentos na medida em que podem viajar para fazer audiências – sem essa possibilidade ou o próprio ministro viajava ou era designado algum juiz local. O juiz auxiliar não tem função previamente definida e acaba sendo um assessor extra.
Atualmente, entre os juízes, dois da 4ª Região (RS, SC e PR) atuam no gabinete do ministro Gilmar Mendes. Um deles, Daniel Marchionatti Barbosa, é professor de direito penal na instituição de ensino da qual o ministro é sócio, o IDP.
A especialização em áreas como direito penal e tributária não é incomum entre os auxiliares dos ministros. Se os assuntos não são dominantes na Corte em volume, têm relevância destacada pelo impacto nas contas públicas ou social, nos casos das ações criminais. A mistura entre especialização penal e tributária faz todo o sentido, segundo especialistas, uma vez que nenhum dos ministros da composição atual têm histórico nessas áreas de conhecimento.
“O tribunal tem lacunas que precisam ser preenchidas e os assessores cumprem esse papel”, afirma o professor de direito constitucional da FGV Direito-SP, Oscar Vilhena.
A função do assessor de ministro surgiu nos anos de 1960. Inicialmente era um único secretário-jurídico, mas com o tempo e o acúmulo de processos o número de auxiliares cresceu. A atividade não é exclusiva do Brasil. Países como Alemanha e Estados Unidos têm equivalentes, mas com perfil um pouco diferente.
Os assessores jurídicos da Suprema Corte americana (law clerks) têm um perfil mais estável, segundo o professor de direito constitucional da FGV Direito-SP, Oscar Vilhena. Geralmente são recém-formados que enfrentam uma concorrência enorme para assessorar os juízes por dois anos. Não é um cargo de confiança como no Brasil.
“Nos Estados Unidos, os assessores têm um papel de oxigenação e de levar a academia para dentro do tribunal”, afirma.
Na mitologia americana, ser assessor de um juiz da Corte Suprema abre caminho na carreira, especialmente na área acadêmica, segundo Vilhena. No Brasil não há um padrão e os ministros podem escolher profissionais “da casa” ou de fora do STF, conforme cota do tribunal. Como integram cargo de confiança, refletem um pouco da personalidade dos ministros – mais acadêmico ou mais práticos.
Há alguns assessores com experiência do outro lado do balcão com passagens pela Advocacia-Geral da União (AGU), pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ou na área tributária de grandes escritórios de advocacia.
“Foi o trabalho que mais me realizou como pessoa, fora a academia. É um privilégio”, afirma a professora da FGV de direito penal, Heloisa Estellita e também advogada na área penal econômico. Estellita foi assessora do ministro aposentado Cezar Peluso entre 2003 e 2005. De acordo com ela, o trabalho permite ter uma visão mais ampla do país, pelos diferentes pedidos que chegam aos gabinetes. Com a experiência a professora diz ter concluido que a 1ª instância é extremamente punitiva no Brasil.
Fonte: Valor Econômico- 1/12/2017-