Um empresário do setor de serviços com bom histórico de pagamentos e que foi pouco afetado pela crise vem, há 18 meses, só liquidando seus empréstimos nos bancos. Não consegue renovar nenhum deles. O setor de serviços é visto pelos bancos como muito suscetível ao desemprego e à crise econômica.
O caso do empresário ilustra uma situação que não tem ganhado muita visibilidade em tempos de aumento do rombo fiscal. Mas é essencial entender o que está acontecendo com o crédito à pessoa jurídica no Brasil – e o impacto disso na retomada do investimento e do crescimento econômico. Há hoje um conjunto de fatores que restringem a concessão de crédito, especialmente para as pequenas e médias empresas: concentração bancária, poucos bancos médios ainda atuando no crédito à pessoa jurídica, necessidade dos bancos de renegociar empréstimos de grandes empresas fragilizadas, recorde de pedidos de recuperação judicial (fala-se em 4 mil empresas nessa situação) e um BNDES que só encolheu seus desembolsos nos últimos anos.
Aqui, vale a ressalva. É fato que a demanda por crédito caiu muito. Mas já começa a voltar, na esteira da ainda tímida recuperação da economia.
“Muitas empresas voltaram a recorrer a factorings ou estão cedendo seus recebíveis para FIDCs para fazer giro”, diz o executivo de um banco, referindo-se aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Segundo ele, a factoring tem custo mais alto – inclusive por conta do risco de receber duplicatas frias -, mas muitas vezes é a única saída para o empresário. Detalhe importante: factorings não são reguladas ou supervisionadas pelo Banco Central.
Até meados de 2008, vários bancos médios supriam parte da oferta de crédito para médias empresas e também para algumas grandes. Com a crise hipotecária iniciada nos EUA, que se alastrou mundo afora, houve forte restrição de liquidez a esse grupo de instituições. Várias deixaram de existir e outras se concentraram em outros nichos, como crédito consignado (com desconto em folha) ou de veículos. Hoje, poucos se dedicam ao crédito PJ de pequenas e médias empresas, como Safra, ABC e Daycoval.
Some-se a isso a redução do número de grandes bancos no país. Em entrevista recente ao Valor, o presidente do Banco do Brasil, Paulo Rogério Caffarelli, explicou que todo banco tem um limite de crédito por empresa. “Grande parte das empresas que batem na porta já tem crédito conosco e não podemos expandir mais o volume com esse determinado cliente (…). A gente acaba tendo certa limitação, não por nossa vontade.” Número menor de bancos, portanto, significa oferta menor de crédito.
As pequenas e médias empresas têm sido as mais afetadas. Os gráficos abaixo mostram que o Bradesco vem ampliando a fatia de sua carteira de crédito às grandes empresas nos últimos anos. O Itaú, que já tinha maior concentração nas grandes, tem mantido essa fatia na casa dos 67% – percentual ligeiramente inferior ao desembolsado pelo BNDES até o ano passado (o banco não tem a segmentação da carteira por tamanho de empresa, apenas os desembolsos).
A equipe econômica está atenta ao problema do crédito à pessoa jurídica, mas falta a concretização de iniciativas. Para as grandes empresas, uma alternativa pode ser o mercado de capitais, especialmente com a queda do juro. Mas nosso mercado acionário ainda é pequeno e “viciado” nas mesmas companhias e o mercado secundário de títulos privados tem baixíssima liquidez e transparência e falta padronização.
No caso das pequenas e médias, algumas iniciativas ajudariam na ampliação da oferta: criação das duplicatas eletrônicas e registradas e a possibilidade de recebíveis de cartões de crédito serem registrados na Câmara de Compensação (CIP). Outra sugestão seria permitir que instituições estrangeiras concedessem crédito no país, sem captação local.
A Fazenda acredita que a mudança na lei de recuperação judicial pode destravar a concessão de novos créditos. Vai ajudar muito. Mas ainda está longe de ser a solução. O BC tem que encarar a questão da concentração e de medidas microeconômicas.
Raquel Balarin é diretora de Conteúdo Digital do Valor.
Fonte- Valor Econômico- 18/8/2017- http://www.seteco.com.br/restricao-de-credito-e-trava-para-retomada-valor-economico/