O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já pode incluir na pauta processos de contribuintes que questionam o bônus de eficiência concedido a auditores fiscais. Oito liminares que impediam os julgamentos foram suspensas pelo presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, desembargador Hilton Queiroz.
Há cinco liminares ainda vigentes. Especialistas acreditam, porém, que deverão ser derrubadas por meio de um “efeito cascata”. Isso porque os pedidos da União foram feitos por meio de um instrumento de proteção do interesse público, chamado de suspensão de segurança.
E, nesse caso, é de competência do presidente do tribunal apreciá-lo. “Como ele decidiu de uma forma e replicou essa decisão para oito casos, certamente manterá o mesmo entendimento aos demais, que ainda não foram apreciados”, diz um advogado.
Criada pela Medida Provisória nº 765, de 2016, a gratificação aumentou os salários de oito categorias – entre elas a dos auditores fiscais. Os contribuintes que ingressaram com ações na Justiça alegam que o bônus colocaria em dúvida a imparcialidade da conduta dos auditores, especialmente na função de julgadores das autuações.
Haveria, segundo os contribuintes, um conflito claro de interesses. Como a bonificação é decorrente das autuações da Receita, poderia haver, no Conselho, um incentivo aos conselheiros representantes da Fazenda para a manutenção das multas tributárias.
O presidente do TRF entendeu, no entanto, que a suspensão de julgamentos que sequer foram concluídos gera “insegurança jurídica tanto para a União quanto para os contribuintes, uma vez que não permite definir se houve ou não a constituição definitiva do crédito tributário”.
Nas decisões, ele chama a atenção ainda para a “séria crise orçamentária” enfrentada pelo governo federal e diz que o adiamento nos julgamentos dos processos administrativos fiscais “atrasará ainda mais o pagamentos dos créditos tributários que forem confirmados como devidos ao final”.
Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), as autuações discutidas nas oito liminares suspensas somam cerca de R$ 8 bilhões. Um dos casos envolve a BM&F Bovespa. O processo refere-se à operação de fusão da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa Holding) em 2008. A Receita Federal cobra R$ 1,1 bilhão por considerar como indevido o uso de ágio para reduzir Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL.
Com as decisões do presidente do TRF, tanto o caso da BM&F Bovespa – em análise na 1ª Turma da Câmara Superior – como os outros sete que haviam sido suspensos no Carf, pelas liminares concedidas, podem retornar imediatamente à pauta de julgamentos.
O procurador Rogério Campos, da coordenação-geral da representação judicial da Fazenda Nacional, rebate a argumentação de contribuintes sobre o vínculo do bônus com as multas que são aplicadas. “Não está diretamente vinculado”, afirma. A arrecadação da multa, segundo ele, é um dos critérios para a instituição do benefício. “O bônus será distribuído conforme vários critérios de eficiência. Não há esse vínculo que os contribuintes mencionaram nas ações.”
O procurador ainda destaca que as ações que pediam a suspensão dos julgamentos, em razão do bônus, estavam baseadas em suposições. “Não é uma situação em que os contribuintes ganhavam e passaram a perder só por causa disso”, pondera. “Pelo contrário, demonstramos [no Judiciário] que o índice de provimento de recursos dos contribuintes no período de vigência do bônus foi maior do que no período anterior.”
Segundo Campos, houve uma inversão na curva histórica: antes a Fazenda ganhava 52% dos casos e no período de vigência do bônus (a partir de janeiro deste ano) foram os contribuintes que venceram 52% dos processos pautados e julgados.
Os contribuintes, no entanto, ainda podem recorrer ao pleno do TRF para tentar reverter a decisão da presidência. A inclusão de eventuais recursos na pauta de julgamentos, no entanto, ficará a cargo do próprio presidente do tribunal.
Especialista na área, o advogado Tiago Conde, do escritório Sacha Calmon, entende que apesar da derrota dos contribuintes no TRF, a “questão está ainda muito controvertida”. Ele cita um processo que há poucos dias teve repercussão geral reconhecida no Supremo Tribunal Federal (STF) e que também trata do tema.
O caso em questão trata de uma lei de Rondônia. O STF vai decidir se é constitucional a vinculação de receita arrecadada com multas tributárias para o pagamento de adicional de produtividade a servidores públicos de carreira fiscal.
Em sua manifestação sobre o caso, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, considerou que a causa ultrapassa o interesse subjetivo das partes, uma vez que o modelo de gratificação dos servidores fiscais vinculado ao aumento da arrecadação de multas tributárias não é uma exclusividade de Rondônia.
Fonte : Valor Econômico- 22/3/2017-