A Justiça tem multado advogados e partes que tentam burlar o sistema ou arrastar processos, por meio de recursos ou descumprimento de decisões. A prática foi batizada de “assédio processual”. Teria surgido pelas mãos de uma juíza trabalhista de São Paulo e, mesmo sem previsão legal, passou a frequentar sentenças das outras esferas do Judiciário.
Recentemente, a 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis decidiu multar uma advogada que apresentou, no intervalo de uma hora, sete ações idênticas para tentar levar um caso a uma determinada vara. Após obter o que desejava, na última tentativa, ela desistiu dos seis primeiros processos, em apenas cinco minutos.
A manobra, porém, foi detectada pelo processo judicial eletrônico (PJe-JT) e a advogada acabou condenada a pagar duas multas de 1% do valor da causa (R$ 350 cada) – uma em favor da parte contrária e outra para a União.
Na decisão, a juíza Maria Aparecida Ferreira Jerônimo considerou que, “de forma antiética”, a profissional tentou manipular o sistema de distribuição, o que caracteriza ato atentatório à dignidade da Justiça.
Além da multa, a magistrada determinou a expedição de ofício ao Tribunal de Ética e Disciplina da seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC) para que tome ciência e “as providências que entender cabíveis e necessárias”.
Casos como esse, porém, são incomuns. Normalmente, a multa por assédio processual é aplicada a uma das partes que tenta retardar um processo. O termo teria surgido em 2005, por meio em uma decisão da juíza Mylene Pereira Ramos, na época da 63ª Vara do Trabalho de São Paulo, que ficou indignada com a demora para o cumprimento de um acordo judicial celebrado 15 anos antes.
Para ela, “na tentativa de postergar ou impedir o andamento do feito, praticou [a ré, uma instituição financeira] autêntico ‘assédio processual’ contra o autor e o Poder Judiciário”. Com a decisão, o empregador foi condenado a pagar R$ 182 mil de indenização por danos morais ao trabalhador, além de multa por litigância de má-fé no valor de R$ 10 mil.
Não raro partes são condenadas a pagar as duas penalidades. Segundo disse ao Valor a juíza trabalhista, um único ato pode configurar a litigância de má-fé – prevista no Código de Processo Civil. E só se pode classificar como assédio processual a reiterada prática de “condutas abusivas” – inclusive aqueles que são consideradas litigância de má-fé. Como define, é a “procrastinação por uma das partes no andamento do processo, em qualquer uma de suas fases”.
Em um processo analisado recentemente pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná, porém, um único ato levou à configuração de assédio processual. No caso, a advogada de uma trabalhadora foi impedida de participar de uma perícia no ambiente de trabalho pela defesa do empregador.
Com a decisão, a empresa foi condenada a pagar multa de R$ 15 mil por “resistência injustificada ao procedimento determinado judicialmente” e mais R$ 500 ao dia – até a nova data estabelecida para a perícia – por assédio. No acórdão, os desembargadores consideraram que houve “violação ao direito da reclamante de se ver apoiada por sua advogada, em afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa”.
A discussão sobre o assédio processual também foi levada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Recentemente a 5ª Turma do TST, ao analisar novos embargos de declaração, entendeu ter ficado configurado “o inadmissível assédio processual que deve ser prontamente coibido pelo Judiciário”. No caso, porém, só foi arbitrada multa por litigância de má-fé.
Segundo a advogada trabalhista Sônia Mascaro Nascimento, reiterados embargos de declaração, somente para retardar o processo, além de tentativas de produção de provas sem relevância ou ausência injustificada de testemunhas, configuram assédio processual. Para ela, o advogado deve exercer a profissão dentro da ética e pode ser responsabilizado, por meio de ação de regresso ou em processo na OAB.
Fonte: Valor Econômico- 18/12/2015-
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