Empresas e trabalhadores brasileiros devem fomentar uma cultura de negociação autônoma, como forma de encontrar soluções de consenso e mutuamente benéficas. E os instrumentos coletivos firmados para ajustar rotinas e condições de trabalho devem ser valorizados e respeitados pela Justiça. “É claro que o trabalhador tem direitos mínimos e irrenunciáveis que precisam ser protegidos. Mas, fora desse espaço mínimo, tudo mais deve ser negociado”, afirma o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Conceituado constitucionalista e desde 2013 membro da mais alta Corte do país, Barroso falou à Agência CNI de Notícias sobre a importância de o país adotar postura menos paternalista nas relações do trabalho. Aliás, foi seu voto, em 2015, acompanhado de forma unânime pelos colegas do STF, que alterou a jurisprudência e reconheceu a negociação como expressão da vontade coletiva do trabalhador e dos valores expressos na própria Constituição Federal.
Para Barroso, um acordo ou convenção coletiva só deve ser considerado inválido pela Justiça do Trabalho se avançarem sobre direitos irrenunciáveis do trabalhador (salario mínimo, 13º salario, férias, FGTS, INSS entre outros) ou se houver fraude na negociação. Resguardando-se esse núcleo de direitos inegociáveis, contudo, a negociação é o caminho para o trabalhador “conseguir mais, em épocas de bonança, e menos em épocas de crise sem perder o emprego.” “A flexibilização não é contra o trabalhador, ela é a favor do trabalhador”, diz. Confira a entrevista:
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Qual é o papel da negociação coletiva no contexto atual das relações do trabalho?
LUÍS ROBERTO BARROSO – Acho que empresas e empregados vão ter que introjetar na sua cultura e nas suas relações um mecanismo que envolva mais negociação autônoma entre os sindicatos, mais negociação coletiva, e menos intervenção estatal. O excesso de intervenção estatal é um modelo corporativo, autoritário, que vem de outra época. O regime da Constituição de 1988 fomenta a negociação coletiva e a autonomia. É claro que o trabalhador tem direitos mínimos e irrenunciáveis que precisam ser protegidos. Mas fora desse espaço mínimo de direitos, tudo mais deve ser negociado para ele conseguir mais, em épocas de bonança, e menos, em épocas de crise sem perder o emprego. A flexibilização não é contra o trabalhador, ela é a favor do trabalhador.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Apesar de a decisão do STF ter efeito vinculante, a Justiça do Trabalho ainda reluta em adotá-lo como jurisprudência. Como o senhor analisa esse quadro?
LUÍS ROBERTO BARROSO – Foi um voto proferido em repercussão geral, com apoio unânime dos ministros do Supremo. Portanto, tecnicamente, ele tem eficácia vinculante para todos os juízes do trabalho e todos os tribunais regionais do trabalho. É claro que tudo que muda uma cultura muito arraigada enfrenta uma certa resistência. É natural e a gente tem que respeitar. Mas, numa sociedade civilizada e pelo sistema de precedentes que nós instituímos no Brasil, é uma decisão a ser cumprida.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O senhor fala em seu voto da “função terapêutica” da negociação coletiva e do risco de que caia em desuso devido à recorrente anulação de instrumentos coletivos. Como isso pode afetar a modernização das relações do trabalho?
LUÍS ROBERTO BARROSO – Acho que as negociações coletivas aumentam a responsabilidade das pessoas, valorizam a sua autonomia e, portanto, a tornam mais maduras. A emancipação das pessoas se dá com autonomia, e não com paternalismo. Por isso, acho que devemos avançar nessa agenda que valoriza a autonomia e a negociação. Uma negociação coletiva só deve ter cláusulas invalidadas se elas violarem esse núcleo mínimo de direitos irrenunciáveis.
Fonte- Agência CNI de Notícias- 29/8/2016- http://www.portaldaindustria.com.br/relacoesdotrabalho/noticias/no-portal-da-industria-3-perguntas-sobre-relacoes-do-trabalho-para-o-ministro-do-stf-luis-roberto-barroso/